Vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e presidente da comissão de juristas que elaborou a proposta de reforma do Código Civil, o ministro Luis Felipe Salomão escreveu artigo sobre a relevância do projeto. “A despeito de estar previsto para iniciar em breve as discussões no Senado, a modernidade do anteprojeto já tem orientado a solução de demandas judiciais que estão tramitando”, frisou.
O ministro listou casos concretos em que o projeto já impacta no Poder Judiciário, um deles no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
“O projeto de reforma do Código Civil apresenta, dentre importantes temas, avanços no enquadramento jurídico dos animais de estimação, bem como busca conferir tratamento adequado ao compartilhamento da companhia. O TJ-RJ, ao examinar recurso sobre modificação de cláusula envolvendo a convivência dos tutores com uma cadela, pontuou que “atualmente os ‘pets’ assumiram, em nossa sociedade, relevante papel de afeto e suporte psicológico, tanto que o anteprojeto de reforma do Código Civil os considera ‘seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial’”, citou.
Para o ministro, a reforma pode transformar para melhor a vida das pessoas. “O projeto objetiva atualizar as disposições do Código Civil de 2002 a partir do entendimento consolidado dos Tribunais, sobretudo do STF e STJ, da comunidade jurídica, da legislação de outros países, dos avanços tecnológicos e das crescentes demandas sociais”, ressaltou o ministro Luis Felipe Salomão.
O artigo foi publicado pelo jornal O Globo e pelo site Consultor Jurídico (ConJur), no último sábado (12). Leia a íntegra do texto:
De volta para o futuro no projeto de lei que reforma o Código Civil
O título deste artigo faz referência ao icônico filme que conta a história de um adolescente e um cientista que viajam acidentalmente no tempo, projetando para o espectador o que foi o passado e o que representa o futuro. Nesse sentido, tramita no Congresso, desde 31 de janeiro de 2025, o Projeto de Lei (PL) nº 4, de 2025, apresentado pelo então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, objetivando a reforma do Código Civil (CC), elaborado por comissão de juristas de extrema competência e reconhecidos civilistas.
O mundo vive uma transformação jamais vista. Há quem defenda a personalidade jurídica para robôs; como qualificar a responsabilidade civil em acidente com carro não tripulado; controle das notícias falsas, trolling e bolhas nas redes sociais. Além disso, os algoritmos, o metaverso e a internet das coisas são alguns exemplos desse fenômeno. Os novos modelos contratuais, a engenharia genética e os arranjos familiares foram catalisados pela expansão do acesso à internet no início deste século, o que impactou profundamente relações interpessoais, trabalho, negócios, lazer, educação e acesso à informação.
É bastante intuitivo, portanto, que o Código Civil, o estatuto do cidadão, normativo de todas essas complexas interações, necessite ser ajustado ao momento atual e preparado para as gerações futuras.
O projeto objetiva atualizar as disposições do Código Civil de 2002 a partir do entendimento consolidado dos Tribunais, sobretudo do STF e STJ, da comunidade jurídica, da legislação de outros países, dos avanços tecnológicos e das crescentes demandas sociais.
A despeito de estar previsto para iniciar em breve as discussões no Senado, a modernidade do anteprojeto apresentado pela Comissão de Juristas já tem orientado a solução de demandas judiciais que estão tramitando.
Casos concretos
O STF finalizou em 27/6/2025 o julgamento do Tema nº 987, de repercussão geral (RE nº 1.037.396/SP), que discutiu a constitucionalidade do artigo 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) relacionada à responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros.
O voto do relator, ministro Dias Toffoli, traz como fundamento a proposta contida no projeto “(…) assegurado a todos o direito a um ambiente digital seguro e confiável, baseado nos princípios gerais de transparência, de boa-fé, da função social e da prevenção de danos”, acrescentando ainda que “as plataformas digitais devem demonstrar a adoção de medidas de diligência para garantir a conformidade dos seus sistemas e processos com os direitos de personalidade e os direitos à liberdade de expressão e de informação, incluindo a realização de avaliações de riscos sistêmicos para a mitigação e prevenção de danos”(livro novo de Direito Digital).
No STJ, ao apreciar o Tema Repetitivo nº 1.200, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, afetado para decidir o termo inicial do prazo prescricional para pretenso filho ajuizar ação de petição de herança, o Colegiado concluiu que se conta da abertura da sucessão, que não é impedida, suspensa ou interrompida pela ação de reconhecimento de filiação, tese que guarda identidade com a proposta apresentada no anteprojeto da Comissão (§§ 1º e 2º do artigo 1.824).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ao apreciar apelação em ação de divórcio (1.0000.24.091561-1/001), entendeu que a demanda deveria prosseguir mesmo após a morte de uma das partes no curso do processo. O acórdão referenciou a sugestão contida no anteprojeto da Comissão de acrescentar o § 4º no artigo 1.571 do CC, nestes termos.
O projeto de reforma do Código Civil apresenta, dentre importantes temas, avanços no enquadramento jurídico dos animais de estimação, bem como busca conferir tratamento adequado ao compartilhamento da companhia. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ao examinar recurso sobre modificação de cláusula envolvendo a convivência dos tutores com uma cadela (0019906-34.2024.8.19.0000), pontuou que “atualmente os ‘pets’ assumiram, em nossa sociedade, relevante papel de afeto e suporte psicológico, tanto que o anteprojeto de reforma do Código Civil os considera ‘seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial’”.
Esses são alguns poucos exemplos de como a proposta apresentada no Senado para atualização do diploma civil pode transformar para melhor a vida das pessoas, um texto fruto do debate amplo e democrático que ocorreu no âmbito da comissão de juristas, com conteúdo moderno e científico, e está madura para ser apreciada pelo Congresso, que saberá a importância de avançar na análise das proposições e produzir a final um texto atualizado e que atenda às novas necessidades e desafios da sociedade brasileira.
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